quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Bandido de Ontem e o Peba de Hoje.

"Malandragem dá um tempo
Deixa essa pá de sujeira ir embora"


Como os leitores sabem sou usuário de transporte publico. E nós usuários desse tipo de transporte enfrentamos diariamente uma espécie de roleta russa do buzão, pra começar nunca sabemos exatamente o horário que determinada linha vai passar no ponto. E NUNCA sabemos que tipo de pessoa vai sentar ao seu lado, por isso eu digo se você tem oportunidade de escolher um lugar pense bem o lugar que vai escolher. Lugares próximos a roletas são para pessoas educadas que cedem o lugar para grávidas e pessoas com necessidades, o meio do buzão é onde as bundas e rolas passam rossando em seu braço. O fundão sempre vai ser o fundão rodoviários, bêbados pedintes, arruaceiros, artistas são facilmente encontrados no fundão do buzão.


Um dia desses sentei no fundão, na cadeira do meio do corredor (Nunca escolha essa) a cadeira aonde você tem chances dobradas de que  alguem desagradável sente-se ao seu lado.


No ultimo ponto de ônibus da cidade entra uma moça jovem aparentemente com uns 16/17 anos, foi ao fundo ônibus e de la ela falou em voz alta “Fulana tem um lugar aqui”, justamente o lugar ao meu lado. La vem uma mulher com faixa etária de 20 e poucos anos, aparentemente cega de um olho, bem forte pra não dizer gorda, usava uma jaqueta preta e branca, calça preta e tênis. Cabelo zuado, mas muito zuado mesmo, parecia que ela tinha acordado passado a mão no cabelo e estava pronta pro dia. E quando ela sentou-se ao meu lado notei que minha impressão estava certa. Ela tinha o cheiro de alguém que acabou de sair de uma festa, mais especificamente um forró, o cheiro dela era uma mistura de suor com fumaça que ja incomodava bastante. Ate que ela abriu a boca e a catinga de quem comeu churrasco ontem e ate agora não escovou os dentes subiu, começou a falar um dialeto que eu conheço bem, começou a falar maloqueirês.

Eu que lia humildemente o quinto volume do Guia do Mochileiro das Galaxias encolhido para esquerda, tive que praticamente ficar de lado porque o volume corporal, o cheiro, a voz e o papo da moça me incomodavam demais. Tentei continuar lendo ate que a conversa começou a incomodar mais do que o cheiro dela, e não só eu estava incomodado todos os passageiros olhavam meio torto para moça.

Entre as coisas que ela falava algumas me impressionaram, não pelo teor da conversa e sim pelo que ela queria transmitir na conversa:

- Pois é fia os caras são do corre pesado. Tem o que você quiser. 
-Eu queria so 25 e uma cartela.
-Eles vão te adiantar o lado de boa.
- Massa no dia que eu receber eu pago.
- De boa, de boa, mas os caras Da quebrada tão de avuaça pro meu lado. Só porque eu to andando com os caras que os bicho tem guerra. Qualé eu troco idéia com quem eu quiser e pá.
- Quando eu tava presa bla bla bla bla bla.
- Aqui na rua o capeta fica atentando. Vai la vai la vai la vai la faz. Bla, bla, bla, bla.
- Meu primo esta preso, minha irmã ta presa, fulaninho chegou com revolver assim. Ela fez o gesto da arma com as mão mirou para frente e deu alguns tiros imaginários contando a historia.


Tudo isso em voz muito alta ao que me parece intencional. Ela queria que todos ouvissem o papo bandido.
Coloquei o livro na mochila, retirei meus fones e sintonizei em qualquer emissora de radio qualquer coisa era melhor que aquilo. E mesmo de fone de ouvido a gesticulação dela ao falar contava uma historia por si só, às vezes parecia que ela sabia linguagem de cifras, ela se empolgava gesticulava e falava tão alto que às vezes nem o fone no volume máximo conseguia conter. 

Fiquei observando as pessoas no ônibus e quem olhavam torto, agora olhava de rabo de olho com medo.

Em minha opinião a intenção dessas moças era demonstrar algum tipo de poder, algum tipo de força mesmo que fosse, desculpem o trocadilho, o lado negro da força.


Eu cresci na ceilandia, brincando na poeira e nas valas abertas para o encanamento de esgoto. Depois em Santa Maria um pouco mais velho a mesma coisa. E na rua a gente aprende algumas regras básicas de sobrevivência uma lição aprendi logo cedo no P.Norte.


Eu estava brincando na rua ate que passou um cara  e sua turma que todos  na quadra diziam que era Bandido. Eu muito esperto e conhecedor das coisas da rua disse pro meu amiguinho.
-Esse ai é o fulano de tal ele é mala.  O cara voltou me deu um tapa caprichado nas costas desses que fazem eco. E disse:
-Quem te falou que eu sou mala rapa, fica de bico calado.
Seguiu seu caminho sem olhar pra trás. Eu ate hoje guardo essa lição, alias essas lições:
Bandidos de verdade passam despercebidos.
Quando você percebe um bandido, finja que não sabe nada.

Aprendi muito depois disso simplesmente observando o que acontece com gente que faz questão de demonstrar para todos que é o foda da Malandragem. Morte, cadeia ou cadeira de rodas.

Uma mulher de coragem, que gesticula e se faz entender, tem contatos de negócios. Conhece pessoas tem vivência apesar de sua juventude um verdadeiro talento desperdiçado. E tem muita gente assim, pessoas inteligentes e comunicativas que vão apodrecer na cadeia ou no caixão por terem feito as escolhas erradas.

Não estou fazendo das pessoas que fizeram escolhas erradas tadinhas, só estou tentando ver um lado positivo nessa situação. Se é que existe positividade na apologia ao Crime, no inicio fiquei com raiva da moça com bafo de merda. Depois tive dó, sabe Deus que tipo de coisa essa moça passou para estar nessa posição social. Pelo pouco que ouvi é a segunda geração da família que esta se vangloriando de viver no Crime, na minha área chamamos isso de Peba.

Gente que furta varal assalta dona de casa, toma doce de crianças e celulares de adolescentes.
Pebas de merda, que vêem uma estadia na cadeia como uma espécie de curso profissionalizante que tem como prova final voltar pra cadeia, se vangloriar de sua esperteza e amaldiçoar a má sorte que fez com que as coisas erradas não dessem certo como o esperado.

O Bandido de ontem continua sendo como sempre foi. Esta ao seu lado e você não sabe ou para sua segurança é melhor fingir que não sabe.

O Peba de hoje vai continuar como é, um idiota que se pudesse usaria um uniforme para ser identificado, para que todos sintam medo de sua periculosidade que ainda é fraca, mas é latente, expansiva e perigosa.
E mesmo que você não tenha medo de um Peba, você sabe que tem algo a perder. Ele também tem, mas não sabe disso.


Decidi não usar nenhuma imagem nessa postagem.
Porque eu não sei quem é bandido porem no link abaixo um estudo da UNB relata como os policias constroem a figura do suspeito.

E eu me enquadro totalemente no perfile de suspeito.



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